I. Os fundamentos da ciência e a sustentação da pseudociência
A evolução científica faz parte do nosso quotidiano, vivemos num mundo em progresso, que exige constante atualização, novas descobertas e conhecimentos. Neste contexto, é cada vez mais importante pararmos para pensar e colocarmos algumas questões que, aparentemente simples, dão lugar a grandes divergências: o que é a ciência? Será todo o conhecimento, rotulado como científico, verdadeiro? Que linha separa a ciência da pseudociência?
Vamos então começar por esclarecer alguns conceitos. O conhecimento científico tem como base o método científico. Segundo este, parte-se da observação, que permite a formulação de hipóteses, posteriormente sujeitas a testes experimentais com o objetivo de obter resultados que, finalmente, levam ao estabelecimento de conclusões. Claro que tudo isto pode ter falhas, razão pela qual as diversas teses estão em constante escrutínio por parte da comunidade científica, que procura confrontar as teorias aceites com novas situações. Deste confronto, as teorias saem reforçadas ou são rejeitadas e substituídas por outras, que explicam melhor a realidade. Até aqui, tudo parece em conformidade. Existem problemas e os cientistas encarregam-se de os resolver. No entanto, o verdadeiro problema, começa a surgir quando se entra no campo da pseudociência, das falácias e do engano. O “fazer ciência” é hoje um título apetecível. Por isso, muitos não hesitam em apregoar como “científicas” informações completamente descabidas, sabendo, à partida, que irão influenciar alguém. Os exemplos da falsa ciência estão por todo o lado: na Internet, nos meios de comunicação social, na saúde e, até mesmo, nas prateleiras dos supermercados.
Na tentativa de imitar a ciência, a pseudociência copia a linguagem e os padrões estéticos, juntando a isto uma figura de autoridade (médico, professor universitário ou investigador), a fim de se tornar mais credível.
Imagino, agora, que deve estar ainda mais intrigado e a pensar: “Será que sou enganado inconscientemente?”, “Será que acredito em verdades científicas que são, na realidade, falácias pseudocientíficas?”. Seguem-se alguns exemplos que permitirão responder a estas questões e abrir portas para outras respostas.
II. Exemplos de pseudociência
Comecemos por um tema que marca profundamente a nossa geração e marcará, por certo, muito mais as gerações futuras - as alterações climáticas. Quanto a este tema, existem três pressupostos que estão completamente confirmados e reúnem o consenso de toda a comunidade científica: o planeta está a aquecer, a responsabilidade é do ser humano e existem medidas concretas que podem ser adotadas para minimizar o seu aquecimento. Então, porque é que continuamos a ouvir pessoas a negarem estes factos?
Certamente que já todos ouvimos a típica questão “Se o aquecimento global existe, porque é que continuam a existir tempestades de neve e chuva, nalgumas partes do mundo?”. De facto, o que se verifica é que o aumento da temperatura média do planeta (incluindo a temperatura média da água do mar) faz com que os equilíbrios, previamente existentes, se alterem e passem a existir fenómenos climáticos mais imprevisíveis e “descontrolados”, que se podem manifestar, quer sobre a forma de neve, ciclones e chuvas torrenciais, quer em longos períodos de seca extrema, ondas de calor e incêndios florestais.
Depois, existe também quem alegue que as alterações climáticas são fenómenos inventados, uma especulação enganadora da ciência, levando os céticos a fazer questões como “Se os climatologistas nem conseguem prever, com rigor, o tempo para o próximo fim de semana, como é que podem falar em centenas de anos?”. Existem diferenças científicas entre previsões meteorológicas e modelos climáticos. De facto, o estado do tempo e o clima não são a mesma coisa. O estado do tempo é relativo a um período curto e influenciado por vários fatores. Já o clima é referente a um período temporal mais longo e os eventos são estatisticamente mais equilibrados. O que significa que, na prática, é mais fácil reconhecer tendências climáticas, ao longo de décadas (como o aumento da temperatura causado por gases com efeito de estufa), do que prever o tempo para o fim de semana seguinte. Estes modelos permitem também perceber que aqueles que mais sofrerão com os efeitos das alterações climáticas são os que menos têm contribuído para as mesmas, desde logo os habitantes de muitos países pobres, no hemisfério Sul.
Para além das questões anteriores, claramente inflamadas pela pseudociência, existe ainda quem afirme “que não há motivos para preocupação”. A ciência conseguirá vencer este problema, tal como sucedeu com outros, no passado. Errado. Não podemos ficar à espera de resolver as drásticas consequências das alterações climáticas usando, apenas, a tecnologia. Em vez de aguardarmos pela invenção de um equipamento que permita diminuir a temperatura, retirando dióxido de carbono da atmosfera, é urgente minimizar as emissões deste gás. O avanço tecnológico permitiu desenvolver fontes de energia renováveis, que não dependem de combustíveis fósseis. É preciso continuar o investimento no aumento da sua eficiência e da sua utilização, nomeadamente nos países em vias de desenvolvimento. Cada vez mais percebemos que a prevenção é, de facto, o melhor remédio.
Outro caso de evidente pseudociência, e que a pandemia de COVID-19 veio impulsionar, é o movimento antivacinas. Este fenómeno, contudo, nada tem de novo. Se pensarmos bem, desde que existem vacinas, ainda que com eficiência comprovada, existem grupos reticentes que procuram descredibilizá-las. Paradoxalmente, é o sucesso das vacinas que abre espaço aos movimentos antivacinas.
Um dos casos mais mediáticos foi protagonizado pelo médico inglês Andrew Wakefield que, no ano de 1998, publicou um artigo numa prestigiada revista de investigação, no qual sugeria haver uma ligação entre o autismo e a vacina tríplice (contra o sarampo, papeira e rubéola). Tal investigação partiu da observação de um conjunto de doze casos, sendo que, entre estes, oito dos indivíduos em estudo verificaram alterações comportamentais. Até aqui, suponho que o leitor acha uma história normal, apesar de doze casos de investigação ser manifestamente pouco. No entanto, estas conclusões estimularam a curiosidade científica, que prontamente iniciou estudos mais aprofundados. Estas investigações foram, então, realizadas em vários países e em nenhum deles se encontrou uma relação de causa-efeito entre a vacina tríplice e o autismo. Com isto, foi possível perceber que o artigo de Wakefield era absolutamente fraudulento. E mais, o médico inglês tinha sido avençado por um escritório de advogados que pretendia processar os fabricantes da vacina. Ou seja, uma simples quantia monetária foi o suficiente para a falsificação de dados e publicação de conclusões enganadoras. Contudo, o problema não ficou resolvido com a anulação do artigo. Esta é, precisamente, uma das consequências mais gravosas da pseudociência: uma conclusão pseudocientífica acaba por receber mais atenção mediática do que o conhecimento científico verdadeiro, contribuindo, inclusivamente, para a descredibilização da ciência. Com efeito, fruto do “artigo avençado”, as taxas de vacinação baixaram em alguns locais do Reino Unido, levando ao aumento da prevalência dos casos de sarampo, de papeira e de rubéola.
Neste sentido, o movimento antivacinas é considerado um dos dez maiores riscos à saúde global, segundo o relatório divulgado, em 2019, pela Organização Mundial de Saúde, sendo que este movimento ameaça reverter todo o processo, até então alcançado com a vacinação.
Abordemos, agora, a pseudociência num contexto que nos é mais familiar: ao nível da alimentação. Por incrível que pareça, até os produtos de que nos alimentamos estão associados a superstições que, vulgarmente, se fazem passar por conhecimento científico.
A ideia de que os alimentos geneticamente modificados causam problemas de saúde (sobretudo, tumores) a quem os consome é um caso típico de uma teoria da conspiração, alimentada por uma comunidade imune a qualquer prova científica. Os organismos geneticamente modificados são seres vivos aos quais foi feita uma modificação genética, isto é, foi introduzido um gene de outra espécie no seu genoma, conferindo-lhe uma característica que anteriormente não possuía. Esta prática está associada, por exemplo, à obtenção de melancias sem sementes, milho híbrido ou uvas sem grainha.
Estas modificações têm uma utilidade prática do ponto de vista da produtividade agrícola, de que é exemplo o milho híbrido, mais concretamente o milho BT. Esta variante foi geneticamente alterada para produzir uma proteína típica da bactéria Bacillus thuringiensis (daí o BT), sendo que esta proteína é tóxica para certos insetos. Consequentemente, as plantações de milho BT dispensam o uso de inseticidas, dado que a própria cultura produz o “seu inseticida”, aumentando o sucesso da produção.
Para além disso, está comprovado que, do ponto de vista alimentar, a composição genética dos produtos que comemos é indiferente, ou seja, os produtos naturais não têm, a este nível, qualquer vantagem relativamente aos produtos geneticamente modificados. Basta que se imagine o DNA como um livro. Para o nosso sistema digestivo é absolutamente irrelevante o que nele está escrito, o nosso estômago e intestinos não têm a capacidade de o ler. Da mesma forma, estes também não sabem ler o DNA dos produtos que ingerimos.
Sendo assim, num momento em que a população mundial cresce exponencialmente, deveremos continuar a acreditar em teorias da conspiração e rejeitar estes produtos, simplesmente porque são geneticamente modificados? Ao acreditar-se em teorias pseudocientíficas pode estar a ser desperdiçada uma forma eficiente de aumentar a produtividade, a qualidade e, sobretudo, reduzir o preço dos alimentos.
Por outro lado, continuando na linha da alimentação, a pseudociência não leva, apenas, a que se crie repulsa pelo que é vantajoso, como no caso anterior. Pode também permitir que se aceite como benéfico algo que é placebo. Neste contexto, destaca-se o caso dos iogurtes. Estes alimentos são produzidos tendo por base bactérias que, ao realizarem a fermentação, convertem o açúcar do leite (glicose) em ácido lático, o qual promove a desnaturação das proteínas do leite, conferindo ao iogurte a textura que estamos habituados. Logo, todos os iogurtes, sem exceção, contêm bactérias. No entanto, há vários anos, surgiram no mercado iogurtes que, para além de bactérias normais, contém outras especiais, designadas probióticos. A “Danone” é uma das empresas que comercializa iogurtes com estas bactérias. Um deles é o “Activia”, no qual está presente o probiótico Bifidobacterium animalis lactis e, por causa deste, era anunciado como benéfico para a regulação do trânsito intestinal. Outro iogurte também comercializado por esta empresa é o “Actimel”, que contém a bactéria Lactobacillus casei e, por isso, segundo a publicidade, ajudaria a reforçar o sistema imunitário, chegando mesmo a sugerir que prevenia gripes e constipações.
Contudo, aquilo que os consumidores não sabiam é que, para além dos iogurtes, estavam a comprar, também, uma ilusão. Sim, a ilusão de que esses mesmos iogurtes trariam algum tipo de benefício para a saúde. Com efeito, desde 2009 que a “Danone” tem sido condenada e multada na sequência de vários processos de publicidade enganosa. Inclusivamente, em 2010, foi obrigada, pela entidade que regula as questões de consumo dos Estados Unidos, a pagar 21 milhões de dólares de multa ( Marçal, David (2014). Pseudociência. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos). Estas e outras punições levaram a que a marca alterasse o seu discurso publicitário. Mais um passo dado no combate à pseudociência!
III. Como enfrentar a pseudociência?
Desta forma, enquanto existir um hospedeiro existirá também um parasita, e, enquanto houver ciência haverá pseudociência, sendo que o único verdadeiro antídoto para este problema é a aquisição de cultura científica. Infelizmente, a velocidade com que um boato (conhecimento pseudocientífico) se espalha, dado o seu “populismo”, é muito superior à velocidade de propagação do conhecimento científico.
Neste sentido, embora cada um de nós não possa controlar as fontes de informação que nos “batem à porta”, pode e deve controlar aquelas que se deixam entrar e, para isto, é fundamental uma posição crítica, mesmo nas circunstâncias mais simples. Por exemplo, quando está em frente de uma prateleira de supermercado e quiser saber se algum produto alimentar tem os benefícios rotulados, basta fazer uma pesquisa pela respetiva palavra no sítio da Internet da ESFA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) para se poder informar. Posteriormente, repita mais vezes este procedimento e adote uma postura de questionamento permanente. O combate à pseudociência é um dever de todos!