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E tudo começou hoje. Foi-nos restituída a liberdade roubada, mutilada e assassinada, a liberdade que todos ansiávamos como se de repente se desatasse aquele nó na garganta. Abandonámos códigos e deixámos de nos manifestar nas entrelinhas. Pelo meio ficaram anos e anos de submissão a uma ditadura dura e silenciada que os mais velhos não recordam com saudade.

Pela parte que me toca, eu cresci com o 25 de abril, com um cravo vermelho, flor de um mundo a descobrir, um mundo por inventar. Os anos que se seguiram permitiram a redação de uma Constituição plasmados que se encontravam nela os direitos e deveres dos cidadãos, eleições livres, formação de forças partidárias e sindicais, curiosamente com vínculo à esquerda e, sobretudo, o sentimento de pertença que permitia ao cidadão ver-se e sentir-se representado nos seus anseios e aspirações.

Vivíamos então em democracia. Alguém disse que este pode não ser o regime perfeito, porém viver fora dele pode transformar-se num inferno. Verdade. Todos conhecemos um número significativo de países que vivem, ou melhor, sobrevivem nesta amargura.

Vivíamos então em democracia. Neste regime democrático, a Assembleia inundou-se de políticos de carreira e de outros que vieram de carreirinha, dos mais variados quadrantes, uns honestos e militantes, outros pouco sérios e inconstantes. Nos primeiros anos desta experiência inesquecível que foi a transposição para a democracia, os portugueses revelaram-se interventivos, atentos, reivindicativos na defesa dos seus direitos sendo o recurso à greve uma constante sempre que as circunstâncias o determinavam. As tertúlias enchiam as noites onde intelectuais e artistas incendiavam o céu que era já da cor do cravo. A liberdade tornava-se, assim, o valor maior, a maior das conquistas.

 Aos pouquinhos, sem darmos muito por isso, os tais valores da democracia foram-se perdendo. Paulatinamente, entrámos num processo de falência, de indiferença e até de cedência às ideias mais mirabolantes que entretanto foram surgindo. Em suma, deixámos de acreditar na democracia, na política e nos políticos. A democracia falhou. Daí, um pouco por todo o lado, o nascimento de forças partidárias radicalizadas, hegemónicas, de extrema esquerda ou direita. São a contrapartida da boa esperança, do discurso inflamado, o que grita as palavras, a mensagem que se faz retórica, que aponta o dedo, que incita e corrói.

E tudo começou hoje. Não podemos, não devemos esquecer. Liberdade. Esta liberdade que erguemos como um troféu ao qual puxamos insistentemente o brilho todos os dias da nossa vida.

Apesar de todas as vicissitudes a liberdade é ainda uma estrela no firmamento.

 

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