E eles vêm, tarde, mas vêm. Porém, apresentam-se logo pela manhãzinha. Quase de madrugada, diria eu. Ainda por cima dizem sem o mínimo pudor que não têm tempo para os filhos. É que entretanto já ficaram em amena cavaqueira com a colega de trabalho a dar conta das últimas do dia, já foram em peregrinação a uma grande superfície, ao cabeleireiro, a pôr gelinho nas unhas e por aí adiante.
Foi então que se lembraram que tinham um filho que havia ter sido transferido para um auditório a olhar para uma parede que emite desenhos animados guardados por professores, esses, muito pouco animados pela tarefa que lhes coube em sorte. Eu estive lá. Ontem. Olhei para aquelas carinhas que não vi e senti o peso da fatura que estas crianças pagam. Não brincam, não correm, em suma, não se mexem. Estão imóveis a olhar não para os desenhos animados que teimam em mostrar-se no plasma, mas sim para o infinito, para uma linha bem distante que os seus olhos já não alcançam.
Chama-se a isto “prolongamento de horário”, tal como no futebol mas para mais. Mais umas horinhas para cada lado. Muito bom!
Quando é que estas crianças chegam a casa? E, já agora, terão mais uma sessão de desenhos animados à sua espera? E será que é à escola que lhe compete cumprir este prolongamento? Estas são apenas algumas questões cujas razões não conheço. Nem reconheço. O que eu vi ontem bastou-me para me inundar de tristeza. Estes pequenos “heróis” aguardam sem perguntas, sem porquês, que os venham tirar daquele filme, enfim, daquele desalento.
De manhã à noite, estas crianças, passam literalmente o dia na escola que se tornou, num ápice, a sua casa gratificados por terem um teto. Por terem professores que os acompanham nesta odisseia. De sol a sol como nas vindimas ou na colheita da fruta.
O hoje já está meio cumprido mas o amanhã repetir-se à com a cadência e o ritmo próprio de uma voz que se anuncia “Pedro, está ali a tua mãe!”