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Nesta tragédia que subitamente desabou sobre nós, todos sem exceção se sentem remexidos por dentro quanto ao seu “estar na vida”, pondo seguramente em questão  muitas das razões convencionais, e sobretudo pelo respeito pelas questões de saúde pública, ambientais e económicas e da nossa possível harmonização com toda a comunidade envolvente.

Nestes dias tão difíceis e sofridos há uma questão que  persiste e se impõe: que mecanismo desencadeia esta quase subversiva identificação de um vírus que faz dele um matador? A verdade é que o mundo impõe, com tirania, os seus modelos: ou nos engana, ou nos compra, ou nos mata. E o drama e a catástrofe deixa sempre, embora cicatrizada, uma mágoa e uma angústia.

Pergunto-me se as minhas dores de hoje não serão as que eu fiz ao meu próprio eu, no trágico compromisso com o mundo, em troca de uma sofrível sobrevivência. Pergunto-me se não estarei hoje com saudades dos meus sonhos e se não andei a negociar um lugar na minha própria prisão. Eu sei que há que contar a mais com o tempo e com o ruído da morte e que é diferente olhar o mundo com os olhos do futuro ou com os olhos do passado. Se eu tivesse procurado a forma de me sentar na vida, o próprio tempo e a própria morte não fariam hoje parte desta pandemia? A medida das coisas é sempre desamparada e impiedosa. E neste apocalipse que vai ao fundo de nós, numa ânsia sem resposta, perturba-nos até mais perto daquele limite em que a vida deixa de ser vida por tanto a encher de sofrimento. E não está certo que seja assim. Num destes dias em que a cinza do tempo penetra até os mais audazes e otimistas, também eles, vão perceber que o jogo estava jogado antes das cartas serem distribuídas. Cada caso diagnosticado, infetado, seguiria o itinerário dos precedentes.

Contudo com a pertinência e a resiliência da formiga, o nosso povo, nós, mesmo antes de serenada a catástrofe, não aceitámos a resignação, reconstruindo, reformulando, criando, inovando, ousando em núcleos de imaginativa tenacidade. De norte a sul do país todos se negaram à passividade. O governo,os políticos, profissionais de saúde, agentes de segurança pública e todos os que continuaram a trabalhar para que este país vingasse,  descobriram a força e a coragem e dela receberam um novo realento. São muitos, são poucos? São os suficientes para que o país se saiba vivo. O entusiasmo é contagioso e o cenário é uma mobilização de vontades. É este povo, que perde o sono ao rebate desta tragédia mas que ainda com o luto no coração é capaz de erguer uma bandeira. E quando nos reencontrarmos com a vida fruída, seja através das pessoas, da terra ou da natureza, tudo fica inscrito na nossa memória coletiva e na memória individual como um amealhar de experiências.

Porque vai ficar tudo bem. Todos juntos!

 

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