O livro “Se Isto é um Homem” de Primo Levi foi publicado em 2013, pela editora Publicações Dom Quixote, traduzido por Simonetta Neto e insere-se na categoria de memórias. Este deu origem à peça teatral com o mesmo nome produzida pela Companhia de Teatro de Almada.
Nesse sentido, o escritor italiano de ascendência judaica nasceu a 31 de julho de 1919 em Turim e faleceu a 11 de abril de 1987 na mesma cidade. Este é licenciado em Química pela Universidade de Turim (1941), participou na resistência contra o regime nazi, e foi preso e internado no campo de concentração de Auschwitz entre 1943 e 1945, tendo sido com base nesta experiência pessoal que escreveu esta obra.
Com efeito, neste livro, Primo Levi descreve de forma impressionante a sua vivência num campo de concentração nazi, durante a Segunda Guerra Mundial, e relata pormenorizadamente o funcionamento, a organização e as regras desse local, sem prejudicar a escrita com excessos de sentimentalismo. Assim, aquando da sua chegada é submetido a par dos outros prisioneiros a uma desumanização sem precedentes: tiram-lhe as roupas, os sapatos, os cabelos. Todos são sujeitos a uma desinfeção e passam a ser tratados como números. Além disso, recebem vestuário, que não lhes retira o frio nem lhes dá qualquer tipo de conforto, e insuficientes e fracas porções de comida. E a crueldade atinge níveis impensáveis: trabalham sem o mínimo de condições; quando adoecem não têm direito a cuidados médicos adequados; são, várias vezes, agredidos sem motivo; deixam de ter qualquer voz ou escolha. No fundo, são privados do direito a uma vida digna, ou não fosse o “Lager” uma “grande máquina para os reduzir a animais”.
Na minha opinião, a cena mais marcante foi aquela em que Levi conhece Lorenzo, um operário civil italiano, que lhe dá comida e uma camisola sem pedir nada em troca, o que o fez ter força e esperança na humanidade, apesar de se encontrar num local onde o Homem é escravizado e privado de qualquer direito. Um exemplo claro deste progressivo apagamento do Eu individual é a redução do Homem a números, que tão bem o narrador descreve, quando refere “O meu nome é 174517”.
Relativamente à evolução psicológica de Levi, diga-se que este foi obrigado por força das circunstâncias a aprender a sobreviver. Apresenta desde cedo uma forte capacidade de adaptação, aprendeu as regras, a não se deixar roubar, a saber extorquir para viver um pouco melhor e utilizou a sua formação em Química para tentar ter um melhor trabalho. Durante o seu percurso, passou por períodos de tristeza e de esperança e viveu sempre consciente de que poderia não haver amanhã.
A meu ver, apesar de este livro não ser de fácil leitura devido à tragicidade do assunto e à quantidade de palavras em alemão utilizadas, considero a sua leitura fundamental, na medida em que possibilita a reflexão sobre as causas da desumanização e crueldade vivenciadas nessa época e alerta a sociedade para que jamais cometa os erros do passado. É inegável a qualidade narrativa e a criteriosa seleção de pormenores que permitem que o leitor visualize a situação dramática em que as pessoas se encontram. Algo que parece trivial, como cortar as unhas e ter uma escova de dentes, torna-se fundamental naquele lugar, só por ser retirado o direito de o poder fazer.
Além disso, o título adquire um sentido mais profundo depois de lermos a obra, pois somos confrontados a perceber que os prisioneiros dos campos de concentração não foram tratados como homens, mas como escravos desprovidos de qualquer direito.
Em suma, penso que este é um excelente livro, uma vez que, para além de ser um relato comovente de sobrevivência, coragem, sofrimento, consciência e alerta que mudou a minha visão sobre este acontecimento, é um dos mais pormenorizados que podemos encontrar sobre este trágico episódio e que tem a capacidade de nos fazer refletir sobre o que o Homem consegue fazer ao seu semelhante, sobre os limites da natureza humana. A este propósito, recorde-se alguns versos do poema que abre o livro: “Considerai se isto é um homem /Quem trabalha na lama /Quem não conhece paz / Quem luta por meio pão / Quem morre por um sim ou por um não”.