Palavras que marcam

     
Nuno Camarneiro,  "No meu peito não cabem pássaros"
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A Rádio (recurso tecnológico de telecomunicações) tem servido com frequência como um instrumento de de “correção nacional”.
Essa sua função dá-se através de vários métodos, como transmissão de críticas, mensagens e entrevistas/discussões. No entanto, a rádio ganhou esse estatuto de “corretora” recorrendo principalmente ao humor, à paródia, à ridicularização. Isto, porque essas características são cativantes e porque é a rádio que nos acompanha diariamente nas nossas deslocações rotineiras.

O relato radiofónico é um pouco complexo e exige alguma atenção por parte de quem ouve e alguns cuidados por parte de quem emite. Cada modalidade discursiva tem as suas próprias características, como é o caso do humor, que “joga” com os tons de voz, a espontaneidade e a invenção de vozes que nos ajudam a criar uma melhor imagem mental daquilo que se está a ouvir.
Em meados do século XX, o humor na rádio nacional começou a ganhar força, devido ao surgimento de várias transmissões humorísticas de destaque. O primeiro programa de humor na rádio terá sido “As lições do Tonecas”, em 1934,que consistia em diálogos entre um professor e um aluno, numa sala de aula, que eram adaptados da obra homónima de José Oliveira Cosme. Em 1945, surgiu “A voz dos ridículos”, que adaptava uma secção denominada “Os Ridículos” existente no Jornal de Lisboa e que parodiava os habitantes do Porto.
Os Parodiantes de Lisboa (grupo de comediantes portugueses, de Lisboa) criaram imensos programas clássicos, humorísticos, para a radio portuguesa, com o objetivo de preencher o “vazio humorístico” sentido na época (1947). Cos seus programas recorriam a dramatizações e adereços sonoros e estava presente o humor e a crítica social num tom vivo e descontraído, que cativava o público. Muitas das personagens ficaram famosas, como a dupla de detetives Patilhas e Ventoinha. Conhecidos principalmente pelo programa “Graça com todos” (programa radiofónico nacional com maior longevidade, durou cerca de 50 anos), os Parodiantes de Lisboa foram várias vezes reconhecidos, chegando a ganhar dois Óscares da Imprensa, entre outros prémios. Além disso, introduziram a publicidade no programa, com bastante sucesso, o que poderá explicar a sua longevidade, já que tinha um teor humorístico numa altura em que esta ainda era caracterizada pela seriedade e formalidade. Terminaram em 1997.
Estes terão sido os programas de humor relevantes existentes antes do 25 de abril de 1974. No período pós-revolução, depois de algum vazio, surgiu, em 1979,”Flor do Éter”, realizado por herma José, que depois trouxe també, “Re-Béu-Béu, Pardais ao Ninho”, que contava com a participação inicial de Lídia Franco e depois de Ana Bola e Vitor de Sousa e que chocou, sendo considerado imoral devido à linguagem usada e à violência sugerida. No final da década de 80, Herman cria um novo programa “Água Mole em Pedra Dura Entra Muda e Sai Calada”, mas é “Pão com Manteiga”, da autoria de Carlos Cruz, Bernardo Brito e Cunha, Mário Zambujal, entre outros, que se destaca até pela distância que estabelece em relação ao modo de produzir humor. Tratava-se de um humor assente no absurdo e na desconstrução, na linha dos Monty Python, que desconcertava o ouvinte.
Na década de 90, Nuno Markl é o nome responsável pelo programa A Saga de Abílio Mortaça, primeiro no Correio da Manhã Rádio e quando este é desativado na Rádio Comercial. Herman regressa à TSF com muitos textos já da autoria das Produções Fictícias, primeiro com o programa “Herman SF” e depois “Hermandifusão”. Ao mesmo tempo, Nuno Markl inaugura, na Rádio Comercial, “O Homem que mordeu o cão”, que era baseado no relato de situações insólitas e cujo sucesso levou à edição de um livro.

No século XXI, surgiram muitos programas de humor: “Há vida em Markl”, crónicas radiofónicas sobre as experiências vividas no quotidiano da autoria de Nuno Markl; “O Tal país”, de Herman José, que comentava a atualidade, dando voz a inúmeras personagens e construindo diálogos satíricos entre várias personagens do quotidiano, reais ou fictícias; “Cromos FM”, protagonizados por Ana Bola, António Feio, Joaquim Monchique, José Pedro Gomes e Maria Rueff , que representavam o papel de estereótipos – Ugly Kid Tony /António Feio; Zé Manel Taxista/Maria Rueff; José Pedro Gomes, que mantém o seu nome; Bispo Tadeu Sem Fortuna/Joaquim Monchique; Tia Pureza Teixeira da Cunha/Ana Bola-; “As Teorias do Nilton”, protagonizado por Nilton, que fazia crónicas, nas quais expunha uma teoria e a justificava, e que terá outro programa de hunor intitulado “Há pessoas que dizem Supcelente”.
Além destes, há dois programas de rádio de renome e que eu gostaria de destacar: “Governo Sombra”, com Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel, moderado por Carlos Vaz Marques. É um programa transmitido todas as Sextas-Feiras depois das 19:00 na TSF, que ridiculariza, principalmente o governo português (os seus defeitos) e as situações absurdas que este provoca, de maneira cómica e bastante direta.
E “Mixórdia de Temáticas” da autoria de Ricardo Araújo Pereira, uma rubrica não uma rúbrica, citando-o, que expõe os principais temas que rodeiam a nossa sociedade, de modo humorístico e com o objetivo de alertar para o que há de errado nesta.
É uma rubrica transmitida todos os dias de semana, por volta das 8:15. As “mixórdias” são diariamente enviadas para a Internet e para a aplicação de telemóveis, smartphones e tablets, pelos produtores, para todos terem acesso a estas, uma vez que são muito populares e solicitadas.
O Humor na Rádio é, por isso, um elemento necessário na sociedade, que visa promover o bem-estar e a evolução, eliminando os seus defeitos. Tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, no entanto as suas críticas são sempre atuais, devido à sociedade “surda” em que vivemos.

Exemplos do humor do programa “Pão com Manteiga”

- Camões nunca existiu. Os Lusíadas foram escritos por um desconhecido que por acaso também se chamava Camões. (Brito e Cunha et al., 2007, p.19)
- Se, diariamente, lavar as mãos em ácido sulfúrico, depressa perde o vício de roer as unhas. (Brito e Cunha et al., 2007, p. 34)
- Se a terra invertesse o seu sentido de rotação, ficaríamos todos de costas. Desse modo se resolveria o problema da fome pela redução automática do índice de natalidade. (Brito e Cunha et al., 2007, p. 36)


OBS:
Os Monty Python são um grupo de humoristas britânico conhecido pelos sketches televisivos realizados entre 1969 e 1974. O humor dos Monty Python era baseado no absurdo, na desconstrução da realidade, assim como na criação de situações insólitas. O grupo foi inovador na forma de fazer humor e serviu de inspiração às gerações seguintes de humoristas, como é o caso em Portugal de Herman José ou dos Gato Fedorento. O site oficial do grupo encontra-se em http://pythonline.com/.

 

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