No mês de outubro, tivemos a oportunidade de usufruir de uma visita guiada à intensa exposição “Disruptive order” da israelita Dvora Morag, com a presença da artista, o que intensificou o clima emotivo aí presente.
A exposição retrata momentos de inquietação e tensão da infância da própria artista, decorrentes dos relatos dos pais polacos que viveram o drama dos campos de concentração de Auschwitz, durante o holocausto e da guerra de Israel da qual Dvora se recorda, acontecimentos que a terão profundamente marcado e influenciado esta obra. No entanto, as referências para qual cada elemento aponta não se esgotam nestes acontecimentos, antes se projetam na própria história da humanidade feita constantemente de momentos de tensão que alternam com os de encontro e harmonia.
Assim, tendo a exposição vários focos de inspiração, há uma multiplicidade de significados patente em cada elemento presente no museu. É, por isso, dada uma grande importância à interpretação pessoal de cada pessoa, tendo sido da preocupação da artista não explicar diretamente o significado das peças ao público, mas levá-lo a sentir.
A palavra chave da exposição é família sendo este o elo de ligação das diferentes peças. Por isso, todas elas remetem para uma conjunção de um ambiente íntimo e familiar com um bélico, recorrendo a objetos como a mesa de jantar, cadeiras, sacos de farinha, fornos, copos e uma cama. A faceta da guerra é representada em várias situações pelos sacos de ráfia, associados por um lado ao pão e por outro aos sacos de areia característicos de um ambiente de conflito.
É este ambiente o primeiro foco da exposição, representado por um chão coberto de sacos de areia, os quais simbolizam o deserto de Israel e a opressão de Auschwitz. Nesses sacos estão escritas frases de Fernando Pessoa em português e hebraico, que a artista identifica com o tema da exposição, como é o caso de “Eu sou do tamanho do que vejo”. Ainda nessa sala, encontramos uma cadeira vazia que, por isso, exprime a perda de alguém, assim como uma pá de forno, interligada ao pão, alimento fulcral na alimentação da família, mas também, inevitavelmente á crueldade dos fornos crematórios dos campos de concentração. São reflexos dos registos cru das memórias de Dvora dos relatos dos seus pais, prisioneiros de Auschwitz.
Mais adiante, encontramos uma sala escura com um único objeto presente: uma cama coberta de pequenos focos de luz vermelha. No fundo da sala, na parede, estava representada uma janela entreaberta. A nosso ver, é sem dúvida a parte da exposição mais poderosa e emotiva. Isto deve-se, em parte, à experiência que nela vivemos quando nos foi pedido que fechássemos os olhos durante algum tempo e que depois, ao abri-los, disséssemos os sentimentos que o objeto nos provocou, comparando-os com os do resto dos presentes. Por outro lado, concordamos que a cama é algo muito íntimo e, ao relacioná-lo com o holocausto, cria um ambiente perturbador e cruel.
A maior sala do museu estava ocupada pelo objeto mais significativo da exposição, uma enorme mesa de jantar. Esta tinha, porém, uma particularidade, já que não havia uma mesa física, mas apenas loiça de jantar suspensa, toda ela coberta pelos referidos sacos de ráfia. Esse vazio lembra a falta de algo ou alguém, eventualmente, na infância de artista, que foi marcada pela confusão e pela falta de respostas para as suas dúvidas enquanto criança. Em contrapartida, sendo uma mesa está intimamente ligada a um ambiente familiar onde predomina o conforto, as memórias agradáveis e a felicidade ingénua. Mais uma vez se destaca a indistinção propositada entre o interior e exterior, já que a sala onde se encontra a mesa pode afinal ser um espaço exterior, o que é sugerido pelas pinturas que rodeiam essas paredes e que apresentam portas e janelas que, ao contrário do esperado, abrem para o espaço amplo onde está disposta a mesa, que convida a que nos posicionemos em volta dela, de pé. Mais uma vez a sensação de conforto se mistura com o desconforto da posição. O convívio é anulado, até por que os pratos estão vazios e ali não há dúvidas de que os objetos estão ali para marcar a ausência do humano.
Em conclusão, apesar de nos ter deixado perturbadas com o registo autobiográfico, a exposição não deixa o observador indiferente, consciencializando-o para a crueldade e repercussões que uma guerra desta dimensão pode ter para as pessoas. É, por isso, importante a preocupação dos artistas contemporâneos em expor estas realidades ao público. Há temas que devem ser discutidos para serem conhecidos e para que gerações futuras não repitam os mesmos erros.