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Enquanto decorria o Mundial, no Catar, e as televisões reportavam, a cada segundo, os resultados dos jogos analisados ao pormenor, por verdadeiros entendidos e especialistas, na arte de fazer o golo, os membros do governo iam caindo que nem tordos, fruto das suas boas ações e “legítimos” propósitos.

Ninguém me contou, eu vi e ouvi a Comunicação Social a abrir os jornais da noite, sob a bandeira do Mundial, quarenta e cinco minutos, mais propriamente, medidos, meticulosamente, por um relógio suíço bem afinadinho e, portanto, nada tendencioso. O custo de vida a aumentar, vertiginosamente, dia após dia, os impostos a acelerar a nossa economia, o cabaz a empobrecer, foram todos relegados para segundo plano, coisinha sem importância… Feitas as contas, o que pesa, o que é realmente pertinente, é saber qual o futuro de Cristiano Ronaldo, saber se vai para uma equipa da Arábia Saudita, para poder adquirir, “à vontadinha”, os setenta e cinco hotéis, que vão abrir em Portugal, a cada cinco dias. O futuro, o nosso, o da arraia miúda, não conta para as estatísticas, para a arte de mentir com precisão. Não vai ser bom, não vai, mas aqui estamos nós “de pedra e cal”, a enfrentar “o touro pelos cornos”, firmes e hirtos, como alguém disse, a contar os tostões, enquanto alguns ganham e arrecadam milhões. Milhões a voar, de mão em mão, como se se tratasse de uma réplica do passado ou de uma coreografia, pós-moderna, da famosa música “As pombinhas da Catrina”. Somos, de facto, um país de futebol, fado e Fátima e, nesta trilogia, estamos perdoados de todos os pecados “capitais”, uma mão lava a outra que, nestas coisas, no poupar é que está o ganho… Assistimos a um desvario completo, no que toca a incêndios, cheias e prejuízos a perder de vista. Somos pródigos e céleres a afirmar a nossa presença, a partilhar a dor e a estabelecer o compromisso que ficará sossegadinho, na gaveta, à espera que a mãe Natureza volte a fazer das suas e apanhe, novamente, mais uns quantos desprevenidos.
Até lá, vamo-nos contentando em encher as barragens e os leitos dos nossos rios, que já transbordam, pois não há memória de um inverno assim.
Até lá, ergueremos um brinde à entrada de 2023, ano em que os contribuintes terão água até ao pescoço, mas não sabem nadar, ió, em que o crédito à habitação vai deixar uns quantos sem a dita e os parques de campismo terão a afluência própria de um bairro residencial.
Até lá, o fado será a canção por excelência, o futebol, o desporto para o qual já não haverá paciência, e Fátima continuará a encher, literalmente, os seus recintos com os seus peregrinos porque, numa altura destas, só a fé nos pode salvar, e de lenço branco esvoaçando no ar, dirão adeus à Virgem, que se recolherá para meditar e rezar, no seu cantinho, longe de olhares traiçoeiros e mãozinhas ávidas. Deus seja louvado!

 

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