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Chove. Chove tanto que se pode avistar Noé no horizonte, a construir outra arca. Por essa chuva atravessa um homem alto e magro, que se encontra entre os vinte e trinta anos, com cabelo escuro e olhos castanhos, vestindo uma gabardina e chapéu a condizer. Por um breve momento, este passa o olhar para o céu.

- É melhor apressar o passo. – Pensa o homem.

E assim o fez.

Chegando a casa, cuidadosamente remove o que trazia vestido, revelando um colete cinzento com gravata vermelha, uma camisa branca e calças escuras a acompanhar. Após organizar os seus pertences, este se desloca por sua residência, grande o suficiente para uma pessoa viver confortavelmente enquanto apartamento.

Deslocando-se para a cama após todos os afazeres, o individuo reflete na sua vida antes que o sono o consuma.

Seu nome é Noah, alguém bastante conhecido por todo o Reino Unido. O Pai nunca conheceu e sua mãe falecera às mãos de um pequeno assassino cuja identidade nunca fora descoberta, consequentemente jurando tornar-se detetive para ajudar as pessoas, assim o afirma.

E agora que é detetive, fora do trabalho não faz muito e casos têm diminuído após o seu último que resultara num tiroteio entre ele e o suspeito, uma visita ao hospital e algum tempo de recuperação.

Noah, entretanto á porta do inconsciente, aceita que amanhã poderá também ser como hoje e assim adormece.

O quão errado estava.

No dia seguinte, Noah acorda com a mãe de todas as dores de cabeça, rapidamente tomando algo para o aliviar. Caindo da cama e depois levantando-se, o recém acordado força-se para a cozinha onde começara a comer até o telefone do escritório começar a tocar.

Ouvindo o toque, o homem atira-se para a divisão como se estivesse atrasado para um teste.

De todas as divisões do apartamento de Noah, o escritório era a divisão mais organizada e detalhada, com prateleiras num lado e prateleiras noutro lado, faltando apenas no teto. No centro desta divisão destaca-se uma mesa tão antiga e sofisticada que poderia ser considerada a Mona Lisa de todas as mesas, construída na altura onde todas as mesas tinham compartimentos secretos.

Num desses compartimentos encontra-se um telefone vermelho, ainda a tocar como se fosse o fim do mundo.

E Noah atende.

- Sim? – Pergunta Noah.

- Não. – Responde a voz.

- Inspetor Juan, – reconhece o detetive – a que devo uma chamada após duas semanas.

- Você é detetive, você que descubra. – Responde Juan, sarcasticamente.

- Alguém morreu? – Responde Noah.

- Alguém morre todos os dias. – Responde Juan – Só que neste caso acredita-se que fora assassinado.

- Estou a caminho.

Terminando a chamada e estando completamente acordado, Noah trata dos cuidados da manhã e sai de casa.

Várias horas após a chamada, o detetive chega ao local do crime. Era um beco comum, uma ratazana ali, uns contentores acolá com um pouco de cinza e no meio um cadáver do tamanho de uma rocha. Claramente a vítima fora gorda enquanto viva.

- Alguma identificação? – Pergunta o recém chegado.

- Manuel Garcias, tinha 58 anos e era de origem no México, tendo vindo para o Reino Unido enquanto jovem e estabelecendo um monopólio sobre o chá, rapidamente tornando-se uma das pessoas mais ricas da Grã-Bretanha.

- Pelo que se pode ver, porque é que se assume que fora assassinado e não sofrera de problemas cardíacos? - Pergunta o detetive.

Juan chama três polícias que, com o maior esforço da sua parte, viram o cadáver, revelando um corte profundo na secção do coração.

Analisando o resto do corpo, Noah chega a uma conclusão:

- Pela forma como a ferida se encontrava na frente, ele não fora apanhado de surpresa, demonstrando como o agressor e a vítima se conheciam pela sua reação final. - Deduz Noah – Para além disso, assume-se que o motivo de tal ação seja dinheiro ao verificar que a carteira do senhor Manuel não se encontra no corpo.

- Isso quer dizer? – Pondera Juan.

- O agressor deve ser ou familiar ou conhecido da vítima e pudemos assumir que o agressor tinha problemas financeiros ou simplesmente ambicioso demais. – Responde Noah.

- Familiar não pode ser pois a sua família contínua no México e não existe nenhuma informação que prove o contrário. – Confirma Juan.

- Empregados e apenas empregados. O senhor Garcias não era famoso nas amizades.

- Já se deslocaram à sua residência?

- Falta a permissão.

E como por magia, outro polícia chega ao local e entrega a permissão.

- Temos a permissão. - Reconhece Juan.

- Eu conduzo. – Responde Noah.

- O carro é meu!

- Eu conduzo.

- O carro está em meu nome!

- Eu conduzo.

- Pedra papel tesoura?

- Pedra papel tesoura!

Noah conduz enquanto Juan vai ao lado.

- Mas o carro é meu!

- Mas eu ganhei.

- O carro pertence-me!

- A sugestão foi tua por isso aceita a derrota enquanto homem ou queixas-te enquanto bebé.

Juan, sendo homem, calou-se. O resto da viagem fora mais calma.

Após uma hora que envolvera jogos de estrada, uma briga e quase um acidente, os parceiros chegam ao seu destino.

A mansão devia ser um dos locais mais particulares de todo o Reino Unido. Tão simples mas luxuoso, representando o quão rico um homem pode ficar ao vender chá.

À entrada encontrava-se uma senhora, porém, ao olhar melhor para o fato tão desorganizado que nenhum dos homens sabia se fora da pressa ou do stress, equipamento adequado, mas não de excelência, sugerindo que era “freelancer” e finalmente, cabelo longo e escuro, com olhos verdes a condizer.

- Olá, sou Lora Rodrigues e sou…

- Jornalista “freelancer”, certo. – Interrompe Juan.

- Como é que …

- Todos os jornalistas da indústria vêm acompanhados, enquanto sua excelência se encontra sozinha. – Interrompe Noah – E peço licença que não podemos compartilhar informação privada com civis.

- Eu faço de tudo. Responde Lora.

- Vai para casa então Miss Rodriguez – Pede Juan.

- Nunca! – Exclama Lora.

Noah confisca a câmara.

- Recusa a cooperar com as autoridades, por isso ficamos com a câmara – diz Juan.

Enquanto Juan e Lora continuam a discutir, o detetive apaga a data de hoje da câmara, entregando-a a Lora.

- Foi um prazer, mas temos trabalho a fazer – afirma Noah.

- Esperem! – Exclama a jornalista – Eu posso ajudar.

- Não! – Diz Juan.

- Sim!

- Não!

- Sim!

- Não!

- Não!

- Sim! – Grita Juan – Espera.

E então o duo passou a trio.

Após aquela interação, o grupo separa-se. Com o inspetor a invocar todos os empregados do senhor Garcias, a jornalista a gravar tudo de forma a ser paga e o detetive a vasculhar a mansão.

Depois de cada um cumprir a sua tarefa, deslocamo-nos para a sala de estar da mansão, ou, pelo menos, uma dessas, onde se encontra Noah, Juan, Lora e quatro novos indivíduos.

- Senhores e senhoras – anuncia o detetive – como todos sabemos o senhor Manuel Garcias fora assassinado num beco tão comum como qualquer outro porém pela forma como se encontrara e pelo desaparecimento da sua carteira, o culpado seria seu conhecido e daí empregado por isso façam as vossas introduções.

- André Foice, advogado de Família.

- Foice? Foice embora? – Comenta Noah.

- Eu não me estaria a rir, pois enquanto advogado nunca perdi algum caso por isso tenho cuidado e …

Juan toca no advogado, este desmaia.

- Foice. Afirma Juan.

Noah e Juan colocam André numa poltrona, observando a criatura inconsciente. Claramente tinha vinte anos, com um fato tão janota que era impossível se encontrar em problemas financeiros, cabelo castanho e olhos azuis e pelo comportamento e apenas esse seria impossível este ser o assassino do senhor Garcias.

- Próximo! Exclama Lora.

- E desde quando é que és polícia? – Pergunta Juan.

- Não há problema. Quanto mais rápido melhor. – Defende Noah.

Assim levanta-se um homem careca que se encontra no auge dos quarenta anos, um individuo que só ao observar denota-se a sua extrema competência para qualquer tipo de trabalho, correspondendo ao técnico do falecido autarca do chá.

- E o senhor é? – Pergunta Lora.

- Johnny, Johnny da Eira Gonçalez. Exclama o grandioso individuo. – Trabalho para a Corporação.

- Corporação? A conglomera conhecida por contratar os melhores dos melhores de qualquer especialização. – Denota Noah.

- Exato. O senhor Garcias era como o pai que nunca tive, tendo reconhecido o meu talento enquanto técnico e eventualmente permitindo com que eu chegasse a onde estou hoje. – Afirma Johnny, deixando uma lágrima derramar.

Tendo em conta a reação e o tratamento que este recebera pelo senhor Manuel, para além do facto de que qualquer circunstancia negativa lhe poderia arrancar o futuro na corporação, o técnico certamente é inocente.

- Número três! – Exclama Noah.

E assim levanta-se uma jovem florista, com cabelos longos e ruivos com um fato a condizer, semelhante a uma rosa humana. Após um segundo olhar o detetive denota a quão cuidadosa se encontra vestida, algo que contradiz a evidência.

- Trabalha com tanto cuidado como veste, senhora?

- Esmeralda e, como pode ter visto pelo exterior, garanto-lhe a minha palavra que sim.

Juan relembra-se de facto na forma como o jardim, ao passarem por ele à entrada, se encontrava cuidadosamente organizada. Rapidamente olha para o Noah e este também confirma a ideia. Esmeralda, enquanto pessoa, é muito cautelosa, impedindo com que a faca fosse a arma do crime, mas algo mais sorrateiro como veneno, sendo isso mais do estilo da florista.

Finalmente chegamos à testemunha final, uma mulher de vinte anos e que, de acordo com o recorde, começara a trabalhar recentemente para o senhor Garcias ao impressiona-lo com a sua atenção aos detalhes, tendo cabelo curto e castanho tal como os olhos.

- Nome? – Pergunta Lora num tom de conhecer quem o assassino era.

Antes de esta responder, um grupo de oficiais prendem-na.

- Senhora Matilde, você está presa pelo assassinato do senhor Manuel Garcias.

- Com base em que evidencia! Ruge Matilde como uma fera enjaulada.

- Essa interrogação toda fora para ver haver tempo para verificar a evidência – explica Noah. – Saiba que enquanto a Lora gravara e Juan procurava as testemunhas, eu vasculhava a mansão.

- E?

- A arma do crime fora encontrada no seu quarto, e, analisando as impressões digitais da mesma, revelou-se você como culpada.

- A jardineira está a incriminar-me!

- Tendo em conta o quão cautelosa ela é, uma faca não seria a arma do crime.

- O técnico!

- O senhor Manuel era como o pai que este, o senhor Johnny, nunca teve, não havendo motivo para roubar à mão que lhe fornece.

- O advogado, esse tal André Foice.

E tal como o seu nome indica, o advogado, após ver a arma do crime, desmaia outra vez.

- Foice outra vez. – Comenta Juan.

- Fim da linha assassina. – Afirma Juan – Levem-na rapazes.

E assim esta é seguida pelo trio.

Chegando à esquadra, existe apenas uma palavra que a pode descrever: miserável. Entre os viciados no café, o conjunto de pessoas e experiencias o milagre da vida e um policia preso no teto.

- Gary! – Grita Juan. – Desculpa malta, o Gary está preso no teto outra vez.

Juan fica por ali enquanto a Matilde é levada para as celas antes da transferência para a prisão.

Saindo da estação, Noah fala:

- Hoje é que foi um dia. Obrigado pela ajuda.

- Eu não fiz muito. Responde Lora.

- Vemo-nos por aí?

- Certamente.

Ambos seguem os seus caminhos.

Regressando ao seu apartamento, Noah dirige-se a outro compartimento secreto da sua mesa, assinalando algo num livro.

- Cento e cinquenta e quatro.

- Após guardar o apontamento e tratar do resto das tarefas da noite, Noah reflete sobre o dia.

Chovia. Chovia tanto que se podia avistar Noé no horizonte, a construir outra arca. Por essa chuva percorria um homem do tamanho de uma rocha, de origem mexicana e vestido de tal forma que se notava ser bastante rico. Parando num beco para apanhar ar, este se encontra com um rosto familiar.

- Inspetor Noah, á quanto tempo!

Saindo das sombras aparece um homem que todos nós conhecemos, porém apresenta luvas semelhantes em cor à roupa que traz vestida.

- Senhor Garcias, como anda a família?

- Excelentes, devo dizer. Na verdade até planeio visitá-los para a semana.

- Faz bem. – Responde Noah. – Pena que tenham perdido o seu filho.

- Eu sou filho único … Ahhh!

Manuel grita pois uma lâmina atravessara-lhe o coração. O autarca do chá encontra-se perplexo por tal ação vinda de um detetive tão reconhecido.

- Porquê? Porquê eu? – Exclama o futuro morto com as suas últimas forças.

- Apeteceu. Tão simples quanto isso.

E com essa revelação, Manuel Garcias morre pelas mãos de alguém que pensava conhecer.

Noah rapidamente recolhe a arma do crime, queimando as luvas e despejando as cinzas num contentos do lixo.

O resto fora mais fácil, apagar o vídeo da Lora caso este revelasse algo, arranjar as impressões da criada ao vasculhar a mansão e depois coloca-las na arma do crime que iria fornecer à polícia. Mas o que tornara a sabotagem ainda melhor fora que no vídeo da jardineira, a criada fora apanhada a roubar a carteira do senhor Garcias. Para quem era atenta certamente não era cuidadosa.

E esta sim era a verdadeira vida de Noah, resolvendo as mortes que ele causara ao culpar outra pessoa. O mesmo Noah que, apesar de colateral, fora responsável pela morte de sua mãe.

E com hoje, cento e cinquenta a quatro vitimas pelas mãos de “detetive” mais reconhecido do Reino Unido.

E com isto Noah adormece, preparando-se para uma nova vitima e, consequentemente, outro dia, um dia como os outros.

 

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