Sinto-me cada vez mais recompensada no meu saber. Abençoados programas que tanto nos ensinam, que promovem a nossa cultura. e nos acrescentam em valores e cívicos comportamentos. Vamos por partes. Há um grupo de pessoas com características muito especiais, eu diria mesmo, muito espaciais, que se reúne numa casa onde supostamente “jogam” rumo ao prémio final.
Todas as semanas, religiosamente, a Endemol, deposita uns generosos euros no IBAN dos participantes escolhidinhos a dedo e dignos de uma prestação imaculada. O império TVI subsiste e sobrevive graças a este programa, girando quase a totalidade da programação à sua volta, com um alinhamento repetitivo e desgastado mas, inesperadamente, com uma fórmula que ainda convence. Deste modo, os acionistas cantam vitória e aquela senhora nascida e criada na Malveira e os seus respetivos amigos, permitem-se viajar de iate em iate à procura de destinos paradisíacos.
Dizia eu, vamos por partes. Efetivamente, sinto-me recompensada no meu saber. Só a título de exemplo, já aprendi que D. Sancho II foi diagnosticado rei de Portugal em 1232 e que um filósofo é um homem que estuda as estrelas. Mas há mais, muito mais… Estas criaturas que proferem sem qualquer pudor estas afirmações têm uma legião de fãs nas redes sociais que os seguem cegamente, estes sim, devidamente diagnosticados, alimentando e difundindo esta incompetência gritante e esta ignorância atroz.
Não posso deixar de partilhar uma situação que me aconteceu há cinco, seis anos, quando os concorrentes dos reality shows faziam presenças em bares e discotecas. Bastava apenas mostrarem a sua carinha laroca ou não para arrecadarem um punhado de euros sorrateiramente. Pois então. Na primeira aula de Português da manhã reparei numa aluna completamente ensonada e tapando a boca de segundo em segundo. Quando a confrontei com aquela postura, ela depressa me confessou ter estado acordada até às quatro da manhã à espera de um autógrafo de um desses participantes desse concurso. Não, não é surreal. É bem real. Imbuída de toda a ironia de que fui capaz retorqui que, sendo eu sua professora de Português, e estando todos os dias disponível à sua frente, nunca me pedira um autógrafo. A resposta veio certeira e cito-a para que não restem dúvidas: “Porque a senhora não é famosa!” Pois não. Ela tinha razão. Eu não passava os dias refastelada no sofá, emboligada numa manta, tudo ao molho e fé em Deus, a proferir insultos e ataques gratuitos. A pugnar pela violência e pela agressividade. Tudo isto em nome de um falso jogo pois, na minha perspetiva, o jogo tem um cariz lúdico e pedagógico, o que não é o caso. Nesta parafernália de simulação da vida real são todos convidados a jogar, a participar e a ligar para o concorrente que quer manter no jogo, qual avançado que faz golos permanentemente porque o guarda-redes é anão. Ou então, chutar para canto o jogador que assim fica no banco mas que a qualquer momento pode voltar a entrar.
É isto que temos. As multinacionais esfregam as mãos de contentes amealhando lucros descomunais repartidos por quem sabe da poda.
É o nosso entretenimento, exibido todos os dias em prime time . Perante esta realidade que tenho dificuldade em adjetivar, não nos podemos queixar dos nossos alunos. Todos nós, nem que fosse apenas uma única vez, já fomos lá espreitar, já fomos lá “beber” tudo o que sabemos de antemão que a obrigação moral nos conduz a evitar, que não queremos esse modelo para nós nem para os nossos alunos. Porém não podemos mascarar o que é infelizmente visível. Milhares de jovens copiam literalmente comportamentos e atitudes que os meus olhos choram e idolatram estas criaturas no seu pior, no vazio de uma mensagem enviesada e nefasta. Pobre sociedade!