Tenho no meu espírito muito de catastrofista. Feito o aviso, passemos ao texto.
Não gosto do sítio onde estou, não sei se existe algum sítio onde gostaria de estar, mas não gosto do sítio onde estou. Finalizei o secundário, acabei (esperemos que para sempre) os exames e obtive a minha colocação. Enquanto os outros celebravam nas redes sociais, eu sentia uma angústia a que mesmo hoje só consigo associar a uma perda de liberdade que brevemente me parecera existir. Sou muito dado a sinais e símbolos, mas costumo escolher ignorá-los para a minha sanidade mental. Mesmo quando vi a FEUP pela primeira vez, descarnada e tolhida de qualquer coloração para além daquela que a intempérie lhe entranhou à força nas fachadas, tentei não julgar um livro pela capa.
E os primeiros dias correram bem ou, pelo menos, não correram mal. Tive a apresentação do curso, onde eu e os meus duzentos e tal camaradas levámos com o balde de água fria, a que se juntavam lama, gelo sólido e acredito que algum gás lacrimogéneo, das oito horas de estudo diárias. Pois é, caros leitores, acabou-se aquele estudo à última da hora e memória a curto prazo que, de uma maneira ou doutra, todos desenvolvemos para minimamente sobreviver. Aqui é a exaustão que governa, juntamente com a incessante rotina teórica (a que se alia a pandemia, um fator secundário). A menos que possuas uma força sobre-humana, acabarão por se concretizar os seguintes pontos:
- A perda total ou quase total da curiosidade com que pousaste pé no ensino superior. Tudo começará maravilhosamente, é novidade, os edifícios por explorar, gente nova para conhecer, matéria estranha e excitante para aprender, as questões da aula atropelam-se umas a seguir às outras. Passados dois ou três meses, já ninguém tem dúvidas, já ninguém quer saber para onde se desloca o x, já todos fazem o esforço hercúleo para prestar atenção ao ecrã ou ao quadro. Melhor analogia não há do que a passagem da primária para o básico, onde se denota a industrialização do ensino, onde a aula de ciências afinal consiste em cópia em vez de experiência ou interação.
- A completa quebra de fé no sistema educativo português (que já vinha abalada dos anos anteriores). Estamos num sítio em que um dez é considerado uma nota excelente, um oito um “nada mau”, estamos num meio em que a proximidade humana entre docentes e alunos é um termo raro e, por vezes, inexistente (cada um com o seu feitio, mas mesmo assim…).
O pináculo da apresentação foram as fotos dos alunos que chegaram ao topo (como se na vida houvesse um topo, como se algum de nós soubesse porque aqui anda), que, através de uma mistela de esforço, talento e criatividade conseguiram alcançar posições invejáveis nas empresas mundiais. “Têm que ser assim” pareciam dizer, de sorriso congelado na cara, “Compitam”, “Trabalhem no duro”.
Não há mal em dizer que odeio tudo isto. E reiteradamente o digo, odeio tudo isto. A especialização necessária para me vender ao mundo capitalista lixou-me a vida. E eu que gosto de aprender tanta coisa… Chamem-me marxista utópico ou idealista (sei que isso por aí é um insulto), mas considero que o espírito, o cérebro e o corpo humano não foram feitos para aguentar tais imposições. Digam à vontade que só quero é boa vida. O que eu quero mesmo é viver bem, de forma minimamente suportável e de acordo com o meu carácter, por muito defeituoso que seja.
Finalizando, se têm inevitavelmente de passar por aqui, caros leitores, fiquem ao menos avisados da morte da novidade e da esperança do diferente. Se algum conselho tenho é o seguinte: arranjem tempo para vocês, para as vossas paixões e para a vossa verdadeira aprendizagem, é a única maneira de continuarem a ser quem são.