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A doação de órgãos consiste na remoção de um ou mais órgãos do corpo de uma pessoa que morreu recentemente (doador cadáver) ou de um doador voluntário (doador vivo), para assim poder transplantá-lo(s) para o corpo de uma ou mais pessoas que estão vivas e que precisam desses órgãos para sobreviver.

Atualmente, o tema do transplante e da doação de órgãos é um assunto que suscita um grande debate na sociedade. Tem havido inúmeros esforços para consciencializar a população mundial de que todos nós devemos ser doadores de órgãos, e no caso de ocorrer algum incidente com alguém menor de idade e este tiver um órgão compatível com um doente, os responsáveis legais por esse menor escolham autorizar a colheita dos seus órgãos.
Apesar da maioria da sociedade convergir para a mesma opinião, tornando-se doador, existem ainda muitas pessoas que não têm uma percepção clara sobre esta realidade, e em situações em que têm de ser as próprias pessoas a optar ou não pela doação, torna-se necessário explicar e/ou reforçar a importância que este gesto trará para a humanidade. Com efeito, este foi o motivo por ter enveredado por esta problemática, pelo que vou seguidamente apresentar argumentos devidamente fundamentados para justificar o meu ponto de vista acerca desta temática, centralizando-me na tese de que a doação de órgãos deve ser um ideal partilhado por todos. Para tornar credível a minha argumentação, recorri a diversos sites que me forneceram uma miríade de perspetivas sobre a doação de órgãos, além de me terem dado a conhecer histórias reais e fictícias relacionadas com este tema.
É, de facto, importante referir que, ao sermos doadores de órgãos, estaremos a agir em prol de um bem colectivo e não egocêntrico. Assim, se por qualquer motivo a pessoa entrar em morte encefálica (perda definitiva e irreversível das funções cerebrais), pode deixar uma última marca no mundo e salvar uma ou mais vidas, através da doação dos seus órgãos. Apesar de parecer uma forma demasiado fria e objetiva de encarar um falecimento, penso que todos nós temos de perceber que os nossos órgãos podem ter dois destinos: a decomposição e a possibilidade de estes viverem noutras pessoas. Se, efetivamente, temos a possibilidade de darmos a alguém a oportunidade de viver, porque não realizar este gesto tão nobre?
Ressalte-se o exemplo de Ana Paiva, com 48 anos, que apresentava insuficiência renal crónica, e que foi transplantada em 2008. Citando as suas palavras: “Estive em lista de espera pela primeira vez dois anos e pela segunda cerca de nove meses. Em novembro de 2006 fui convocada para transplante renal nos Hospitais da Universidade de Coimbra mas vi-me recusada em virtude da deteção de uma imagem pulmonar suspeita de tuberculose pulmonar. O sentimento que nos percorre e acompanha quando estamos a um passo de ser transplantados é de revolta. Em setembro de 2008, fui contactada pelo HUC, pois havia um órgão compatível. A minha vida após transplante, e decorreram apenas cinco meses e meio, é agora completamente diferente: é como se tivesse RENASCIDO! O facto de me “livrar da máquina”, a sensação de liberdade que experimentei, que poderei fazer algumas coisas que pensava já não poder concretizar, constitui um sentimento de nos tornarmos a sentir gente”. Ana é agora uma mulher feliz, que vive sem quaisquer problemas, mas tal podia não ter acontecido se alguém não tivesse consentido em doar os seus órgãos. Este é apenas um exemplo entre muitos casos bem-sucedidos. Por isso, não devemos hesitar em sermos doadores, é sem dúvida, um verdadeiro milagre!
Saliente-se também que, apesar de em Portugal as pessoas serem automaticamente doadoras se não se inscreverem no Registo Nacional de Não Dadores, existem países, como o Brasil, em que é a família quem decide se os órgãos devem ser doados ou não, independentemente da decisão do possível doador em vida. Além do mais, em qualquer país, no caso de ser um indivíduo menor de idade, são os responsáveis legais pelo jovem que decidem se a doação de órgãos pode ser realizada. Com efeito, torna-se fulcral que se deixem as emoções de lado (mesmo que pareça difícil numa altura tão delicada) e sejamos altruístas ao ponto de encararmos uma morte como uma passagem para outra vida.
Um exemplo que retrata de um modo bem realista a última situação referida é a experiência traumática vivenciada por Clarinha, na novela Jardins Proibidos. Clarinha, a filha dos protagonistas, Vasco e Teresa, deparou-se com uma situação em que precisava de um coração novo para conseguir sobreviver. À medida que os dias se sucediam, a urgência de um transplante tornava-se cada vez mais premente. A dada altura, como não surgia nenhum coração, a única esperança possível de salvação seria ligá-la a uma máquina, que funcionaria como uma espécie de coração artificial. Todavia, tornaria a sua vida muito limitada, pois devido ao facto de estar sempre ligada à máquina, não poderia realizar imensas atividades e o seu estado de saúde seria sempre debilitado. Quando estavam prestes a realizar o procedimento cirúrgico, os médicos e os pais tomam conhecimento de que ocorreu nesse mesmo dia um acidente que vitimou um jovem de 10 anos, o Pedrinho, filho de Rita, outra personagem da trama.
Rita, após perder também o marido nesse acidente, recusa a possibilidade de autorizar a colheita dos órgãos do seu filho. Por mais que os médicos lhe explicassem que ele se encontrava em morte encefálica, e que ele estava ligado a suportes médicos apenas temporariamente, Rita, como é natural, agarra-se à ideia de que ao doar o coração do seu filho, seria como estar a matá-lo. Vários médicos tentam convencê-la, mas as tentativas revelam-se infrutíferas. Só as palavras da mãe de Clarinha, apesar de o contacto entre as duas ser extremamente proibido, é que a fazem mudar de ideias. Rita conseguiu, por fim, perceber que o seu filho não voltaria mais, pelo menos fisicamente, mas que a sua recordação e o seu espírito iriam prevalecer para sempre nos corações daqueles que o amavam; que a morte do seu filho não teria sido em vão e que ele poderia salvar uma criança de 8 anos, a Clarinha. Para a mãe de Pedrinho, tal como para tantos familiares que se vêem nessa situação, como é óbvio, não foi nada fácil tomar uma decisão, mas já que a morte do seu filho era inevitável e não havia nada que pudesse fazer para o trazer de volta à vida, compreendeu que numa situação inversa gostaria que alguém se disponibilizasse para salvar a vida do seu filho. Por mais dolorosa que seja a ideia da perda, todos aqueles que tiverem em seu poder a possibilidade de evitar mais mortes, devem, mesmo que seja extremamente penoso, autorizar a colheita dos órgãos.
Além disso, a doação em vida é também uma realidade exequível, devendo ser encarada como algo a ter em séria consideração.

Se, por exemplo, temos um familiar ou amigo que necessita de um órgão para viver ou melhorar a sua qualidade de vida, e nós temos possibilidade de dispor de um, por que não ajudá-los a ter uma vida melhor? “Não podemos ou não devemos virar costas ao sofrimento daqueles que nos são próximos e a quem nós podemos ajudar. Uma das opções será ser dador. Podemos fazê-lo pelos nossos familiares ou amigo, sem prejuízo nenhum para a nossa saúde”, declara Maria João Aguiar, coordenadora nacional das Unidades de Colheita de Órgãos, Tecidos e Células. É importante que as pessoas possam decidir em total liberdade se querem ou não sê-lo, porém é fundamental que todos saibam que há estudos que comprovam que, no seguimento da doação, não ocorrem problemas ao nível da saúde do dador, e que, por serem mais vigiadas, podem até viver mais anos do que os não dadores.
Poder-se-ia dizer que a doação de órgãos não é um ato cristão, que vai contra todos os ditames preconizados pela fé católica, ou que “a pessoa não será capaz de entrar no céu porque o seu corpo não vai estar inteiro”. De acordo com Esmeralda Pereira, membro da Organ Sharing Alliance, uma organização sem fins lucrativos sediada no Texas, estes são alguns dos argumentos dados por indivíduos com uma posição mais severa e radical face a este assunto, asseverando que muitos encaram a doação de órgãos como uma ação tremendamente imoral, alegando que a sua religião proíbe tal prática antibíblica. Contudo, Mas Velez, Presidente do Conselho da Conferência Nacional Liderança Cristã para os Hispânicos (NHCLC), afiançou que “não há evidência bíblica que proíba esta prática”. Segundo o doutor, os opositores da doação de órgãos fundamentam a sua opinião com base em alguns excertos das Sagradas Escrituras, os quais afirmam que o nosso corpo é um templo sagrado e, por isso, temos a obrigação de o manter imaculado. No entanto, esta é apenas uma mera interpretação, não havendo nada na Bíblia que indique efetivamente a sua proibição.

John Leies, um conceituado reverendo e teólogo, patenteia que a Igreja está a concentrar esforços no sentido de consciencializar esses fiéis da nobreza e altruísmo subjacente ao ato de doar órgãos. O próprio Papa Bento XVI, Papa Emérito, defende que “o ato de amor que é expresso com a doação dos próprios órgãos vitais permanece como um testemunho genuíno de caridade que sabe olhar além da morte para que vença sempre a vida. Do valor deste gesto deveria estar bem consciente quem o recebe; ele é destinatário de um dom que vai além do benefício terapêutico. O que recebe, de facto, ainda antes de ser um órgão é um testemunho de amor que deve suscitar uma resposta de igual modo generosa, a fim de incrementar a cultura da doação e da gratuidade”.

Assim, face ao exposto, tive a oportunidade de constatar que doar órgãos é um ato não só de ampla generosidade e solidariedade, mas também de imensa coragem e força de espírito. Quantos milhares de vidas foram salvas, graças a uma série de transplantes bem-sucedidos, restaurando física e psicologicamente estas pessoas? É neste sentido que proclamo e volto a reiterar: a doação de órgãos é um ideal que deve ser partilhado por todos!

 

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