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Aluno da Escola Secundária Abade de Baçal e membro do Clube de Jornalismo, João Tiago Jacob tem 30 anos e abandonou a terra natal para prosseguir estudos na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, no curso de Engenharia Informática. Com o 3º ciclo de Estudos do Ensino Superior, mantém-se como docente e investigador pós-doutorado nessa área. Recentemente, viu reconhecidas duas importantes qualidades, a de investigador, com a distinção dada ao seu doutoramento, e a de professor, com o reconhecimento dado pelos seus alunos.

Porquê engenharia informática? O que o levou a estudar nessa área? Quando soube que era esse o curso que queria?

Desde pequeno (leia-se, uns 5 anos) que lidava quase diariamente com um computador. Ainda assim, não foi uma escolha fácil. Uma semana antes de submeter a minha candidatura para o Ensino Superior, ainda não tinha a certeza do que queria seguir. Engenharia Informática era já uma sólida opção, embora ainda não tivesse a popularidade que agora tem. No final, acabei por escolher, por ordem de preferência, Engenharia Informática, Engenharia Eletrotécnica e Engenharia Mecânica, somente pela meu gosto de Física e Computadores.

 

Porquê a opção pelo ensino?

Devo confessar que foi inicialmente por dois motivos: curiosidade e obter experiência. Sempre me perguntei qual seria a sensação de estar do outro lado da sala de aula, de poder ajudar, ensinar (e também aprender com) alunos. Agora, sendo já docente há uns anos, os motivos mantêm-se quase inalterados, já que cada ano é uma experiência completamente diferente, podendo lecionar a turmas e cursos unidades curriculares diferentes. Gosto particularmente de lecionar a alunos dos primeiros anos, que têm uma vontade enorme de aprender e mostrar os seus conhecimentos.

 

Quais serão as inovações tecnológicas que revolucionarão a humanidade nos próximos tempos?

Não posso dar uma resposta sem especular um pouco. Há vários setores em que as inovações tecnológicas podem ser suportadas pela informática. Áreas de interesse para a humanidade como saúde, educação e produção agrícola, para enumerar apenas algumas das que podem beneficiar de mais e melhor informação. Se me é permitido sonhar um pouco, acredito que a realidade virtual, associada a melhorias em inteligência artificial, pode ajudar imenso a humanidade. Imaginem poder treinar uma operação cirúrgica, ou voar um avião, ganhando experiência e conhecimento com riscos mínimos para todos os envolvidos!

 

Como vê as novas tecnologias a nível de ensino? Serão uma mais valia?

Algumas tecnologias como: telepresença, plataformas de e-learning, armazenamento na nuvem e sistemas de correção automática de testes e exames, para enumerar apenas algumas, são já soluções populares no ensino. Tornam possível o acompanhamento e ensino a pessoas que não podem frequentar fisicamente as aulas por motivos de força maior, por exemplo. Noutros casos, tornam o processo de realizar trabalhos em grupo entre alunos que não se conseguem encontrar fisicamente uma possibilidade. Acredito que estas ferramentas são já essenciais e só podem vir a melhorar.

 

O que o marcou mais pela positiva, e negativa, durante os seus anos de básico e secundário?

Pela positiva, sem dúvida que os colegas, amigos, professores com os quais ainda mantenho contacto frequente e, claro está, os ensinamentos e experiências que me proporcionaram. Pela negativa, se bem que agora é algo que só posso recordar com um sorriso, as alturas de enorme stress de realizar testes e exercícios. Também não é fácil ser-se aluno e não me esqueço disso!

 

Já há alguns anos que leciona na faculdade. Tem sentido diferenças nos alunos ao longo desse tempo?

Noto bastantes diferenças entre alunos de ano para ano. Mas não pelas razões que vulgarmente se acha. É frequente um docente no ensino superior ir trocando entre disciplinas e até cursos em que leciona. E como estes cursos exigem provas específicas muito distintas é importante adequar as abordagens de ensino a cada curso e, por vezes, a cada aluno, já que há vários cursos muito heterogéneos. Por exemplo, num curso de Engenharia, não é invulgar encontrar alunos com excelentes faculdades de raciocínio abstrato, mas uma mais limitada capacidade de comunicação ou escrita em Português. Estes alunos tendem a preferir esquemas, desenhos ou até fórmulas tanto para se exprimirem como para aprenderem.

 

Como caracteriza a relação entre o secundário e o ensino superior? O que acha que devia mudar num e noutro?

Acredito que há uma muito maior preparação pedagógica no ensino secundário face ao ensino superior. No ensino superior há alguma formação a esse nível, mas não é de todo mandatória. Assim, a experiência dos alunos tende a variar imenso entre eles, já que se uns tiveram um professor que os acompanhava muito cuidadosamente, outros terão tido um professor que os incentivou a serem autodidatas. Ambas as abordagens têm o seu valor, mas dependem do tipo de aluno e professor. Assim, acredito que do lado das faculdades, uma maior aposta na formação dos seus docentes a um nível pedagógico e ético seria importante. Já relativamente ao ensino secundário, acredito que os planos curriculares estão extremamente desfasados da realidade. Se no ensino superior há muita autonomia e flexibilidade em alterar o conteúdo de uma unidade curricular, o ensino secundário apresenta-se mais monolítico e homogéneo. Talvez mais “ramos” pudessem ser introduzidos e talvez mais cedo. Puxando a sardinha para a minha brasa, o ensino da programação, mesmo que opcional, no ensino secundário (ou ainda mais cedo) seria benéfico não só para futuros engenheiros como também para o ensino de raciocínio lógico e formal de que outras áreas e profissões tanto dependem.

 

Na sua tese de mestrado, criou um jogo que, pelo que percebemos, abordava a gestão de recursos ambientais. Qual o papel da informática na educação?

Um pouco no seguimento da pergunta anterior, acredito que a informática pode e deve estar bastante presente no ensino. A um nível profissional, quase qualquer um pode beneficiar de utilizar certos conhecimentos sobre informática. Particularmente na educação, a informática sob a forma de tecnologias de apoio ao ensino é, como já mencionei, essencial. Para não falar das plataformas de ludificação e jogos sérios que procuram ensinar, divertindo! Porém, acredito que o ensino de informática pode e deve ser melhorado. Enquanto que é indubitável a importância do ensino de ferramentas como Word, Excel e Powerpoint, penso que o ensino da programação (sob a forma da criação de pequenos jogos ou aplicações simples) poderia fomentar o interesse por lógica, física e matemática.

9) A realidade virtual está fortemente presente no jogo, visto que o ambiente do mesmo se adapta à realidade de cada um. Até onde é que esta poderá ir? Quais os limites?

Esse jogo, baseado na localização e feito em 2010, tem algumas semelhanças com o Pokémon Go, no sentido em que proporciona uma experiência de jogo que depende de onde é jogado. No entanto, procurei ir um pouco mais longe, tendo em conta quem o joga, como o joga e onde o joga! Isto é algo que é conhecido na área de desenho de jogos como adaptivity. O jogo procura mudar a sua própria dificuldade dependendo das circunstâncias:

Podemos “puxar” um pouco mais pelo jogador? Então, subamos a dificuldade;

O jogador está com alguma dificuldade (por exemplo, está a chover, está cansado, está distraído), então reduzir a dificuldade pode reduzir a frustração.

No limite, se tivéssemos toda a informação do jogador e de onde o joga, poderíamos proporcionar jogos e experiências completamente personalizados. Claro que há várias questões de ética quanto à utilização e armazenamento de dados que são mais importantes que simplesmente utilizar essa informação cegamente.

Jogos modernos estão a procurar ter este tipo de dificuldade dinâmica para garantir que quem os joga tem uma boa experiência!

 

Em muitas áreas, existem distinções, como, por exemplo, o Nobel, o Óscar, Globos de Ouros, entre outros.  Há algum evento que premeie os criativos e programadores informáticos? Considera importante a sua existência? Há alguém que gostaria de nomear?

Efetivamente, não. Há algumas distinções específicas a cada área (por exemplo Game Awards), mas tendem a distinguir equipas ou projetos. No entanto, não é invulgar ter criativos e informáticos a terem distinções. Não sendo exclusivamente informáticos, as contribuições de Noam Chomsky e de Edsger Dijkstra são essenciais para a informática! Matemáticos, linguistas, físicos e sociólogos já fizeram contribuições fantásticas para esta área e são reconhecidos por elas.

Se tivesse de escolher algum para distinguir, teria de nomear o Satoru Iwata. Apesar de nos ter deixado recentemente, as contribuições nos videojogos e na filosofia da Nintendo são indeléveis! Foi o primeiro Diretor da Nintendo na sua história de mais de 100 anos que não pertencia à família fundadora, tendo chegado a esse cargo (ainda que relutantemente) pelas suas capacidades como programador e criativo dos videojogos. Tanto que, mesmo sendo diretor, não era invulgar vê-lo a programar ou participar ativa e diretamente em projetos da Nintendo!

 

Há vários especialistas que argumentam que os vídeo jogos têm mais impactos negativos do que positivos no desenvolvimento cognitivo e físico das crianças e jovens. Qual a sua opinião sobre o assunto?

Como sempre, é importante moderação e senso comum. Se certos jogos analógicos podem contribuir para o ensino de lógica, estratégia, planeamento e gestão de recursos, também o podem ser os jogos digitais. No entanto, tal como dificilmente se poderia dizer que uma criança que joga xadrez ao ponto de faltar às aulas tem um comportamento saudável, também alguém que coloca um jogo de vídeo frente a tudo o resto pode estar a comprometer o seu futuro. Há, claro, jogadores profissionais (e no caso dos e-sports, cada vez mais!) que dependem de horas e horas diárias de prática e planeamento. Quanto ao desenvolvimento físico, acredito que o advento de realidade virtual e dos exergames (jogos que promovem o exercício físico e usam o corpo do jogador como “comando”) poderão tornar alguns jogos como ferramentas válidas para a prática de exercício físico. Temos feito algumas experiências nessa área com resultados promissores!

 

A dependência a que estes conduzem foi recentemente classificada como doença.  É uma preocupação que faz sentido? É possível evitar esse problema?

Concordo completamente com a inclusão do vício de jogos de vídeo no novo DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Jogos de vídeo são feitos para serem mais apelativos que os analógicos e não é difícil que uma pessoa com menos disciplina se perca nos mundos e possibilidades que estes lhe oferecem. Efetivamente, muitos dos jogos de entretenimento mais populares são desenhados para serem viciantes e criarem dependência. Acredito que só será possível combater este problema com informação, autodisciplina e, no limite, legislação. Nos Estados Unidos e Bélgica debateu-se se os jogos de vídeo que incluam lootboxes (algo estilo caixa surpresa com conteúdos aleatórios úteis para o jogo) não devem ser considerados jogos de sorte e azar e como tal verem a sua venda proibida a um público mais jovem.

 

Têm os jogos potencial educativo? Quais? Devem ter um lugar na sala de aula?

Imensos jogos têm um potencial educativo. Mesmo alguns de entretenimento que, à primeira vista, não teriam nenhum! Um jogo como World Of Warcraft pode melhorar as capacidades de comunicação, planeamento, delegação, estratégia, gestão de recursos, negociação, diplomacia de quem o joga. Outros têm uma contribuição mais óbvia. Human Resource Machine ensina quem o joga a programar, sem que saibam que estão a programar. Mais ainda, ensina algo semelhante a uma das linguagens considerada mais difícil (Assembly) e consegue fazê-lo de forma a que quem o joga nem note que o está a fazer! Jogos explicitamente educativos, conhecidos por “jogos sérios”, uma vez que têm uma finalidade que não a de entretenimento, podem ter como propósito ensinar, alertar para ou levar quem os joga a ponderar sobre um dado problema ou tema, levando a um crescimento pessoal. Outros jogos de entretenimento, como Assassins Creed, Age of Empires, Binding of Isaac, Undertale e Xenoblade Chronicles 2 escondem temáticas sobre existencialismo, religião, impacto ambiental, mitologia, história e moral, sendo frequentemente equiparados a obras de arte (que levaria a outra discussão sobre se os jogos são arte ou não, mas acho que o leitor já terá alguma ideia da minha opinião sobre o assunto!).

 

Por que motivo podem os jogos ser considerados uma arte?

É uma pergunta um pouco difícil, posso até dizer que eles são um arte. Tal como o cinema acaba por ser uma arte, com base noutras áreas como a imagem, o som e o argumento, acontece um pouco o mesmo com os videojogos, eu acredito que se vamos considerar o cinema como uma arte, também o podemos fazer com os videojogos, uma vez que a maior parte deles acaba por exigir alguma direção artística seja a nível estético, de áudio, ou de imagem, mas também como as coisas mais sofisticadas como a jogabilidade de jogo, que são de um trabalho extremamente criativo e muito multidisciplinar, talvez muito mais disciplinar que o cinema, que provavelmente será a arte mais próxima dele. Portanto, acho que faz todo sentido podermos considerá-los como uma arte. Claro que isto é sempre muito discutível, estamos a falar de algo extremamente recente, mas acho que faz todo o sentido o reconhecimento oficial.

 

Ao longo da sua carreira já recebeu algumas distinções. Quais? e quais as que mais o marcaram?

Recentemente, vi-me distinguido pelo meu Doutoramento, concluído há pouco, e recebi também um prémio de reconhecimento pedagógico. Em particular, o prémio de reconhecimento pedagógico foi o mais marcante de todos os reconhecimentos que já tive, uma vez que dependia da resposta favorável de vários alunos a um inquérito peda-gógico. Assim, pude comprovar que o meu relacionamento com os estudantes, os conhecimentos que lhes transmitia, o conteúdo programático e métodos de avali-ação usados eram vistos favora-velmente por eles!

 

O que valoriza na relacionamento com os alunos?

O que mais valorizo no relacionamento estudante/professor é a frontalidade e a comunicação. É fácil gerarem-se situações de assimetrias ou injustiça nos estudantes, como no caso nos estudantes trabalhadores, que veem determinados trabalhos (nomeadamente os de grupo) dificultados. É importante garantir que estamos todos a trabalhar no mesmo sentido. Porém nem sempre é fácil. Há alunos que sugerem que poderíamos ter mais trabalhos ao longo do semestre em vez dos exames ou o contrário. Esta discussão franca entre alunos e professores é importante para melhorar alguns aspetos nas disciplinas, assim como o feedback dos alunos.

 

O que mais o preocupa como professor? E como cidadão? E como português? E como brigantino?

Como professor, preocupa-me apenas formar cidadãos e profissionais que se possam orgulhar da formação que tiveram e de poderem vir a ser elementos impactantes nas suas comunidades. Como cidadão, preocupa-me o atual desinvestimento na ciência, arte e cultura, consequências da recente crise económica, bem como outras questões sociais. Como português, gosto de ver que somos bem vistos no estrangeiro, como profissionais bem formados e trabalhadores proactivos. Já como brigantino, assusta-me ver a estagnação de crescimento demográfico e o seu envelhecimento. Já por várias vezes levei amigos e colegas a Bragança que ficam surpreendidos com a qualidade de vida, rendas baixas, ambiente e pouco trânsito. Tanto que muitos conheço que têm intenção de eventualmente abrir empresa em Bragança. Acho que em particular numa altura como esta em que a telepresença e o trabalho remoto são uma realidade, Bragança tem muito a oferecer a quem procura uma vida saudável e de qualidade.

 

Nasceu em Bragança, estudou cá enquanto a cidade permitiu, fez o ensino superior na Faculdade de Engenharia do Porto, de aluno passou a docente, ali começou a trabalhar, fez o mestrado, depois o doutoramento e é nessa instituição que continua até hoje. Vem a Bragança com frequência e vê a cidade com os olhos de quem está fora e conquistou alguma distância que pode dar mais objetividade ao olhar. Gostaria de voltar? Como vê hoje a cidade? O que é que ainda não foi feito?

Para me fazer relaxar, sorrir e feliz, é ver-me entrar na “Rotunda do NERBA”, vindo do Porto e a sentir “estou em casa!”. Sempre que posso, volto, e só não fico nem o faço com maior cadência por motivos profissionais.

Vejo que a cidade foi crescendo a nível de infraestruturas e serviços, se bem que me assusta um pouco a grande dependência que a economia local tem da Faurécia e do Instituto Politécnico de Bragança. Como já referi anteriormente, acho Bragança um sítio excelente para se ter uma qualidade de vida impar, bem como um local de potencial interesse para a abertura de novas empresas tecnológicas. Porque não um centro da Google ou de uma empresa de consultoria? Numa altura em que os preços das habitações em Lisboa e Porto têm vindo a disparar, levando pessoas a dirigirem-se para as periferias ou as empresas a terem de aumentar os vencimentos dos trabalhadores para colmatar a perda de poder económico, Bragança pode-se afirmar como uma solução perfeitamente válida. Se há algo que falta, é cumprir todo o potencial de Bragança!

 

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