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No dia 8 de Novembro, Pedro Abrunhosa fez o público presente no Teatro Municipal de Bragança vibrar durante cerca de 3 mágicas horas. Incansável, depois de uma sessão de autógrafos, recebeu no seu camarim o grupo do Outra Presença.

 "Cantor é alguém que empresta a voz para entreter e transmitir a mensagem que outro criou. Um músico entretém, mas incorpora a mensagem que criou. Ele é a própria música. Pedro Abrunhosa é um músico."

Este último álbum leva-nos, mais do que outros anteriores, a considerá-lo um músico de intervenção. Considera-se um músico de intervenção? É também essa a função da música?

Eu quase que respondi a essa pergunta no palco. Eu acho que quando nós nos demitimos, enquanto cidadãos, de intervir civicamente o poder é tomado por aqueles que nos vão oprimindo. Oprimir significa liderar mal, gerir mal as nossas finanças e fazer algo de que não gostamos. Isso chama-se deixar que os outros concretizem atos políticos porque nós nos demitimos de intervir. Eu como cidadão intervenho. Como músico não.A música não tem nada a ver com isso. A música tem ideias, não é desprovida de ideias. Não sou Shakira nem Madona. O rock sempre foi uma música de ideias. É isso que eu faço. Ponho ideias nas músicas e as pessoas identificam-se com  elas.

José Gil refere que um dos problemas do nosso país é a falta de inscrição. As pessoas não estão habituadas a intervir civicamente. É mesmo isso o que de mais importante falta neste país?

Eu acabei de responder a isto… É exactamente isso, a falta de commitment, empenho na vida política. A palavra politica é complicada e as palavras afastam-se dela por causa das politiquices. A palavras política vem do grego, polis é a cidade, a sociedade, e a politica é a gestão das ruas. Na altura era necessário essa gestão. A partir do momento em que há dinheiro envolvido pode haver desvios, o custo da política é a corrupção. Por isso é que não nos podemos demitir. Todos nós somos políticos. Dizer que os políticos são incompetentes é um ato politico. O que José Gil diz é que tempos de nos empenhar porque corremos o risco de desanimar. A auto-estrada chegou a Bragança, mas chegou tarde, embora tivesse havido muito empenho aqui, mas chegou tarde. As pessoas demitem-se, mas quando lhes colocam uma lixeira à porta, as pessoas reagem, agem politicamente. As pessoas demitem-se até que os problemas lhes chegam à porta. É, por isso, importante não deixar que as coisas nos apanhem desprevenidos.

Sem que pareça uma pergunta muito dramática ou lamechas, as noticias que ouvimos preocupam-nos. Que futuro podemos nós, jovens, esperar deste país?

Eu acho que o José Gil lança algumas pistas. A esperança é uma característica do seu humano. O animal que vai para abate não sabe que vai. O que nos distingue dos animais é termos a noção da desgraça e da esperança. Isso é bom. Temos a noção da desgraça e da esperança. E isso é bom.

O que nos salva do infortúnio e da desgraça é a arte: o belo, a contemplação, o pensamento, a palavra, a literatura, a música, a filosofia.  Isso é uma forma de sermos felizes. Cada país que investiu na cultura, desde o século XVIII, é mais rico e mais feliz. Um público mais informado, por exemplo, nos países da Escandinávia,  é mais rico porque é mais culto. Formação, educação e cultura, ciência,investigação sempre constituem o único caminho da salvação. A desinformação, a demissão e a falta de cultura levarão sempre a que os espertos, os que sabem as manobras do poder, que são incompetentes, vinguem. “Portam-se bem à mesa mas são uns alarves na cozinha”, como costumo dizer. Futuro para os jovens : formação, educação, cultura. Vir a Bragança e ver estas perguntas enche-me de esperança. Quer dizer que aqui se pensa e que os problemas do país são idênticos aos que ocorrem noutras regiões.

Por falar em intervenção, o seu percurso passa pela escrita, mas, também já experimentou o cinema, com o filme “A carta” de Manoel de Oliveira. Como descreve essa experiência?

Trabalhar com o Manuel de Oliveira foi muito enriquecedor. Foi como estar do lado de lá do ecrã. Estou habituado a ver os filmes do lado de cá. Estar do lado de lá é ver como ele transformou um texto dificil num filme mais acessível. Trabalhar, ter a experiência de ser dirigido por um mestre é isso mesmo: estar com um mestre.

A sua vida já deu sete discos de originais. Um disco é uma espécie de livro?

Um disco é uma espécie de livro, porque está cheio de histórias e elas contaminam-se umas às outras. As canções são como um capítulo. E depois, mal o disco acaba, começa-se a escrever outro. O escritor não tem a função de apresentar o livro de cidade em cidade, salvo algumas situações, como o nobel, por exemplo. Mas eu tenho de o fazer e a digressão afasta-me da escrita. Eu não consigo escrever a conduzir nem em hotéis. O trabalho da escrita é de persistência e trabalho. Não posso chegar amanhã e esperar pela inspiração.

A escrita vem antes ou depois da música?

Geralmente, vem depois. Às vezes há uma ideia de uma frase, por exemplo esta última canção gira em torno da frase “o melhor está para vir”. Ela é o cerne à volta do qual construí uma música. Àz vezes isso acontece. Por exemplo, Lobo Antunes tem um livro, cujo título ele explicou – “Ontem, não te vi em Babilónia”. Esse título resulta de uma associação ao modo como se comunicava antigamente na Suméria: através de um caco de barro. O livro é um recado de um pai para um filho.

O que é que só a música nos pode dar?

A capacidade de estarmos todos na mesma sala a pensar em coisas diferentes, mas unidos num abraço. Podemos estar a pensar cada um em sua coisa, mas a música desperta a nossa imaginação e, simultaneamente, agrega-nos… e uma forma de comunicação muito fácil, entra em casa das pessoas, toca a memória emocional, vai à memória da infância e as pessoas recordam-se  das canções. Consegue-se isto tudo num espectáculo seja pequeno ou grande é quase uma liturgia, sem dogmas. Vocês não são obrigados a acreditar em nada.

Em que medida o homem do Norte é diferente do Sul, entenda-se Lisboa?

Em nada. Todos somos diferentes. Fazer disso uma bandeira não faz sentido. Portugal é muito pequeno. Tem o umbigo muito perto dos pés. Se reparem nos EUA que muda de fuso horário várias vezes, as pessoas de diferentes estados são diferentes. Há diferenças entre nós mas na génese somos todos iguais e falamos a mesma língua, ainda que com variações. Essa cultura de diferença entre  Norte Sul é bastante perigosa nos tempos que correm.

Que momento destacaria na sua carreira?

Esta magnífica entrevista (risos)…

O que sente antes de subir ao palco? / Há algum ritual que faça antes disso acontecer?

É a minha profissão já há muitos anos. Não giro as coisas por antecipação, não tenho rituais, não peço nada de especial

O seu percurso foi inverso ao de muitos artistas. Adquiriu um forte conhecimento musical antes de ser conhecido como músico. Isso foi determinante na sua carreira?

Qualquer profissional tem de saber muito da sua área. Um médico não é só o que acertou as “cruzinhas todas” nos testes. É aquele que percebeu de dimensão humana, percebeu de filosofia, percebeu a importância do conhecimento. Esse é o médico que a medicina é uma premência social . Na minha actividade fiz sempre tudo para dignificar a música ,sou radicalmente contra as drogas, sempre fui,  tenho a mesma postura com o grupo.  Isso deu-me uma importante  lucidez. A minha loucura no palco resulta da entrega e do desporto. Desporto e arte: “sex sports and rock &roll”.

Porquê o nome do grupo “Comité caviar”?

É interessante. Tem uma certa cacofonia e um carácter dicotómico que agrada.

Pode revelar-nos se tem um palco de sonho e alguém com quem gostasse de o partilhar?

Não, nada de especial. Gosto muito de partilhar o palco com as crianças. Não gosto de estrelas. Sou um cidadão normal.

Sempre quis ser cantor? Como é que reagiu a sua família?

Sou músico. Cantores são os rapazes que têm uma boa voz e depois animam festas. O Rock não tem cantores tem pessoas que vestem a canção com a sua voz. Os ídolos, o X factor estão cheios de miúdos que sabem cantar, mas cantar não serve para nada a não ser que se tenham boas ideias. Caso contrário, é-se apenas uma máquina de reproduzir ideias.

Acha, então,  que os cantores também podem ser compositores?

Não. Num mundo ideal todos escreveríamos coisas, todos praticaríamos a escrita. Mas isso não acontece. Os grandes cantores de ópera cantam o que está escrito. O cantor é mais um instrumento do grupo. Se eu fosse mudo, mandava vir um cantor para executar as canções. Como não sou mudo, canto à minha maneira e faço o que fazem os meus colegas do rock, coloco a minha voz ao serviço da música. Se reparares, o Mick Jagger não canta bem, grita até um bocado (imitação e risos), mas, sem ele, os Rolling Stones não existiam. Ele é a alma do grupo.

 

 

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