“O tempo envelhece depressa” é o título do último livro de António Tabucci, no qual se apresenta uma sequência de nove histórias que têm em comum a passagem do tempo e a perceção que as personagens têm desse fluir. O tempo vivido, o que se está a viver, o da memória e o que está para vir dominam uma narrativa que percorre vários espaços, tempos e personalidades.
Enquadra-se esta referência no constatado envelhecimento da classe docente - cerca de 50% dos docentes têm mais de 50 anos e só cerca de 1% têm menos de 30 -, que justifica as várias simulações e pedidos de reforma que têm sido feitos. É um professor constrangido que, na obra de Tabucci se confronta com as mudanças que o avanço da idade traz ,“Alguma coisa ficou, a juventude não”, sendo esta perceção perante um tempo implacável reforçada no conto “Nuvens” pelo militar reformado: “mas a idade não para de evoluir”.
No entanto, ela é importante sobretudo pela reflexão que suscita sobre o tempo, sobre o modo como se lida com ele e sobre a o modo como marca o ritmo da vida. Nas escolas, periodicamente, discute-se a duração das aulas, como está acontecer neste momento - 45’, 50’ou 90’? -, reforça-se o tempo útil de cada aula e o atraso permitido. Além disso, “Já são horas”, “Estás atrasado”, “Tens de levantar-te mais cedo”, Tens de trabalhar mais depressa”, “Não percas tanto tempo com isso”, “Não tenho tempo de estudar tudo”, “Não sei como vou terminar o programa em tão pouco tempo”, “Perdi tanto tempo na fila” são algumas das expressões que dominam o quotidiano escolar e que mostram como é o tempo que regula a vida deste organismo educativo.
Vem, por isso, também a propósito o modo como os jovens experienciam o tempo, aparentemente inconscientes do seu poder destrutivo. Veja-se a ansiedade com que aguardam os 18 anos, antecipadamente felizes pela mudança que julgam surgir nesse momento. Querem viver o instante. Não querem “deixar para depois o que podem fazer hoje”, para não se sentirem presos e arrependidos do que não fizeram. E esquecem-se da necessidade do tempo que é necessário viver devagar para que o instante se possa captar, como o referido militar reformado diz a uma jovem com a qual conversa enquanto observam as nuvens: “Olha bem para elas e espera com paciência, mas procura captar o instante, quando não, será demasiado tarde”. Esta necessidade de aproveitar o tempo é abordada no conto “Círculo”, cuja protagonista vive o arrependimento face ao que não fez, a vontade de recuperar o tempo e, simultaneamente, a frustração decorrente da impossibilidade de concretizar o seu desejo. Arrependimento é o que não querem experimentar os que abraçaram as experiências culturais, linguísticas e pessoais diferentes e enriquecedoras que os projetos Erasmus+ lhes proporcionaram. E ganharam tempo, criando o seu próprio relógio cujos ponteiros se movem em direção a um mundo no qual diluíram as fronteiras. Quando lhes perguntarem “como passaram o tempo”, responderão que não sentiram que este tivesse passado e que estão agora à frente dele, correndo para que não os apanhe.
Pode ainda pensar-se no tempo aprisionado na memória que tantas vezes dá sentido ao mundo e ajuda a alimentar a ilusão de que o podemos agarrar e travar o seu curso, sobretudo quando este cai sobre o homem e lhe mostra de forma cruel que nada pode fazer para contrariar a sua vontade. As esperanças, as convicções e os sonhos são abalados quando essa vontade é o encurtamento do futuro. A comunidade do agrupamento e em particular os mais próximos viveram essa angústia com a partida de alguns dos seus membros. Uns sentiram o chão tremer, outros perderam-no e tiveram de ir ao fundo de si procurar forças para recuperarem o equilíbrio que lhes era exigido. O tempo parou e para que ele recuperasse o seu andamento foi necessário vencer a força que os prendia a esse tempo, erguer a voz e torná-la suficientemente forte para a ensurdecer.
Finalmente, pode esta consciência de que o tempo envelhece depressa justificar a vontade de querer conhecer o futuro para antecipadamente o preparar. Um pouco como os protagonistas de “Nuvens” que praticam a arte da nefelomancia, isto é, “a arte de adivinhar o futuro observando as nuvens. No entanto, não sendo possível interferir no curso do tempo e não descurando a importância de viver o presente com os olhos no futuro, será melhor alojar os sentimentos nas vivências do presente e não os hipotecar numa miragem.
Afinal, o livro de Tabucci pode relacionar-se com tudo isto, mas prende-se sobretudo com a consciência humana de que é tempo que nos une aos outros e ao mundo, que liga o que fomos ao que somos e ao que seremos. E é verdade que o tempo envelhece mesmo depressa. Há um ritmo físico, constante que define a sua presença em cada um de nós de uma forma particular e única, mas progressivamente mais forte e definida.
E é neste ritmo que partimos rumo a mais um final de ano letivo, correndo contra o tempo para conseguir cumprir todos os compromissos, mas antecipadamente conscientes de que é o tempo que corre contra nós, por isso seria mais inteligente envelhecer ao lado dele.